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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A mentira de 13 anos

catedral
Catedral, após o falecimento de Cezar, (direita para esquerda), Guilherme, Kim e Júlio.
Por volta de 1990 – década em que as rádios evangélicas estouraram nas grandes cidades – os artistas com seus contratos ‘casados’ (as rádios tocavam seus próprios artistas e faziam um auto-jabá) conseguiam promover seus trabalhos em eventos promovidos pelas estações gospel e davam opção aqueles que deixaram a “música do mundo” para se envolverem e se perceberem nas composições cristãs.  Dali em diante, juntamente com o advento do Compact Disc (CD), a música cristã se tornaria um segmento comercial potencialmente lucrativo. As percepções do público levaram-no não apenas (em uma época onde MP3 não existia) a se tornar fã da música produzida ainda de maneira tímida dentro dos estúdios, mas também consumidor de cds, camisas, indo à shows, fazendo fã-clubes e criando uma semelhança com o que se via na música fora do território evangélico.
Se fazer música evangélica se tornou um negócio rentável, o combo veio quebrar alguns paradigmas. O rock gospel chegou com força às rádios e numa espécie de libertação, explodiu em todo lugar. Oficina G3ResgateKatsbarnéaNovo SomCatedral, eram exemplos de bandas que sairiam do preconceito que o estilo sempre sofreu. Não obstante a revelação de que no Brasil se fazia rock com sotaque gospel, as portas se abriram também para bandas estrangeiras que faziam o mesmo estilo. Bride,TourniquetWhitecross vieram ao Brasil em diversas ocasiões, levaram multidões aos seus shows; parecia se consolidar dentro do mercado gospel o segmento roqueiro, uma evolução que teria desdobramentos visíveis nos dias de hoje e que arrefeceram as brigas internas (aqueles que sempre condenaram o rock como estilo dentro da igreja) e a maneira como a sociedade passou a olhar para música evangélica. Os arranjos pobres e tolidos dos primeiros discos evangélicos deram lugar às mesas de 24 canais, com tecnologia digital, concepções artísticas menos aprisionadas a formatos. Um cenário diversificado invadiria as rádios : não só o rock, mas o reggae, o hip-hop, a música romântica (com seu discurso disfarçado de louvor), tudo agora estava no caldeirão gospel. Olhos “serrados”*, bíblias na mão. Ninguém poderia segurar o pungente mercado musical evangélico.
A banda carioca Catedral conseguiu se destacar das demais bandas de rock justamente em um Estado (Rio de Janeiro) onde a música pop era a que possuía mais força. São Paulo já tinha seus representantes e através da Igreja Renascer em Cristo (sim, a denominação foi responsável por disseminar muitas bandas evangélicas na década de 90) foi possível assistir os eventos evangelísticos promovidos pela igreja na TV. A banda formada por Kim (vocais), Júlio (baixo), Cezar (guitarra) e Guilherme (bateria) já era bastante conhecida no meio evangélico mas ampliou seu espectro quando assinou contrato com a MK Publicitá, também detentora dos direitos de radiofusão da El Shaday, famosa estação de evangélica na cidade do Rio de Janeiro. Esse casamento radio + gravadora colocou a família Mota (Kim, Júlio e Cezar são irmãos) no topo da parada gospel. Ao mesmo tempo Kim teve oportunidade de alavancar sua carreira solo com o disco “Coração Aberto” (1996), que tocou em proporções micheltelonianas. No Rio de Janeiro, e agora em alguns lugares do Brasil, era difícil não conhecer o Catedral. Ainda mais que a banda cresceu paralelamente sob o estigma de ser a versão gospel da Legião Urbana. As semelhanças estéticas musicais, principalmente entre os primeiros trabalhos da Legião com as músicas mais famosas do Catedral fariam um link que traria bônus e ônus para banda evangélica.
Até que um dia…
A banda decidiu se libertar do rótulo que lhes impuseram: o de estar apenas associado à música gospel. Direito criativo e artístico dos músicos. Somente por esta decisão, acompanhados do desvínculo da MK, foram achincalhados como traidores do movimento. Algo que aconteceu – em outras proporções  com o João Gordo (vocalista da banda punk Ratos do Porão) ao se tornar VJ na MTV. Tratados por autoridades eclesiásticas, ministérios evangélicos e membros tradicionais como Judas Iscariotes por terem se vendido às moedas de prata da gravadora Warner (onde ficariam por 3 anos), o Catedral seguiu um rumo de muito sucesso fora dos arraias da igreja. Mantendo o discurso musical valorizando temas como o amor e a esperança, a banda ganhou espaço nos canais seculares como MTV e Multishow e passou a ser ‘arroz de festa’ na programação de TV, algo inimaginável para qualquer grupo evangélico. Isso aconteceu muito tempo antes de Aline Barros participar do programa da Xuxa e render-lhe louvor ou mesmo antes de Régis Danese invadir os programas de vários canais abertos para cantar sobre Zaqueu.
O Catedral era a opção para as viúvas da Legião Urbana (banda desfeita em 1996 com a morte de Renato Russo) e embora nunca tenham criado caso com a banda de Dado Villa-Lobos, também não rechaçaram a chance de se tornarem populares, nem que fosse sob o estigma de cópia da banda “de Brasília” (onde surgiu). Traidores do movimento evangélico, descendentes de uma banda cujo o vocalista era homossexual assumido. O que mais poderia macular a banda Catedral?
Em 2001, a banda deu entrevista ao jornalista Ricardo Pieralini. Ele vinha em nome do “Usina do Som”, um dos mais respeitados e frequentados sites musicais. Tal “conversa” iria desencadear numa série de desentendimentos, processos judiciais, distratos comerciais, recolhimento de discos e etc. Clique aqui para ver uma “cópia” do que foi veiculado pelo site.
A banda na mesma semana que a entrevista foi ao ar desmentiu a forma como as palavras foram ditas mas já era tarde demais. A repercussão fora estrondosa. A MK, antiga gravadora, mandou uma espécie de “memorando” para os maiores órgãos da imprensa evangélica. Produtores, contratantes, gravadoras, ministros, pastores, todos receberam a entrevista cujo o título dizia: “A IGREJA É UMA MERDA”. Postagem: Tedioso.com.

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